sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

‘Istória’ da guerra da CPMF sob a ótica do vencido

Escrito por Josias de Souza, para o Blog nos bastidores do poder
(Foto: Antonio Cruz/Abr)
Escrito por Josias de Souza, para o Blog nos bastidores do poder


A história, como se sabe, pertence aos vitoriosos. No caso da CPMF, porém, Lula tenta subverter a máxima. Vencido, tenta escrever a sua própria versão. Valeu-se de um café da manhã com jornalistas para converter a história numa “istória” que principia pelo fim, menospreza o meio e sonega o começo.

Reza a história que Lula abespinhara-se com a derrota. Queixara-se da “irresponsabilidade” do PSDB. Alfinetara FHC, cujas digitais enxergara nos discursos inflamados do líder Arthur Virgílio. Ameaçara grudar nos adversários a pecha de inimigos da saúde.

A “istória”, porém, é bem outra. Lula disse aos repórteres que o infortúnio do Senado não lhe roubou “nem meio minuto de sono.” Mais: “Eu não sou zen, mas isso não me preocupou." A irritação converteu-se em comiseração: "Alguns acharam que o presidente ia ficar muito forte e fazer o sucessor em 2010. Eu acho isso uma pobreza de espírito. Isso me dá pena."

A história registra que, para Lula e seus ministros, o fim do imposto do cheque conduziria ao fim do mundo. Qual um Bin Laden da administração pública, Guido Mantega ameaçara aumentar impostos, erguera a adaga do corte de dispêndios sociais. O próprio presidente alvejara os inimigos com o carimbo de “sonegadores.”

A “istória” desce ao verbete da enciclopédia como o Apocalipse que não aconteceu.
O timbre histriônico cede ao tom moderato. Ouça-se o Lula do café da manhã: "Eu falei com os meus ministros que eu não quero ouvir a palavra pacote. Prefiro comprar de unidade em unidade. O Brasil já foi vítima na história de muitos pacotes que não deram certo."

A trilha sonora da guerra do imposto do cheque é ponteada pelo tilintar das verbas e dos cargos. A história registra que a Câmara bailou ao som da toada do Planalto. O Senado, porém, atravessou a valsa.

Do ponto de vista do “istoriador” oficial, o embate da CPMF é um filme mudo. Lula cala sobre o barulho da fisiologia. Limita-se a contar, de modo frio e calculista, a tropa do Senado. Dos 53 governistas, só 45 disseram “sim”. "Com esse número”, conformou-se Lula, dá para aprovar tudo menos as PECs [propostas de emendas constitucionais]. Sabemos quem está com a gente e quem não está."

Entre os feridos de guerra, poucos saíram do campo de batalha tão alquebrados quanto Guido Mantega. Conta a história que, ainda durante a troca de tiros, o ministro arrostou avaliações acerbas do chefe. Em privado, Lula dissera que o titular da Fazenda conduzira mal as negociações com o tucanato. Depois da derrota, Lula brindou o ministro com reprimendas e desautorizações públicas.

A despeito de tudo, Mantega entra na “istória” de Lula como um "parceiro de mais de 30 anos e um companheiro da mais alta qualificação, competência e credibilidade". Vai demitir o ministro? "O quê? O Mantega? É o mesmo que o Corinthians ganhar de cinco a zero do Grêmio e você querer tirar o técnico."
A história decerto contém exageros e falsidades. Mas a “istória” é insuperável em matéria de mentiras e tergiversações.